Me Leve para a Igreja

               


                Morar em uma vila isolada tem suas vantagens e desvantagens, a primeira vantagem é a paz e o silêncio, outra é que você cedo ou tarde vai saber o que está acontecendo de novo na vila, a outra das quase inúmeras vantagens é que você conhece todo mundo assim como eles te conhecem, mas pra mim, isso é uma desvantagem. Principalmente quando você ama de uma maneira diferente. Talvez seja só aqui, mas na minha visão, quanto menor é onde você mora, mais religiosa é o local.
                 Eu trabalho em um hortifruti, mas quando estou de folga passo o dia lendo livros que ganho dos meus amigos, e foi assim que a minha desgraça ou salvação aconteceu.
                 Eu estava no sofá lendo um livro quando a porta da sala de minha casa que dividia com meu "amigo" foi arrombada por um grupo de pessoas, muitos rostos ali eram conhecidos, não tive chance de entender o que estava acontecendo, eles simplesmente me agarraram e começaram a me xingar enquanto alguns deixavam a minha casa de pernas pro ar.
    __ Seu viadinho!
    __ Por que você tinha que estragar tudo Alan!?
    __ Seu demônio ! Você não tem respeito?
    __ Pare de chorar seu merda, você escolheu isso!
    __ Não se preocupe vamos curar você, isso é, se Deus quiser.
    Mais xingamentos, alguns tapas e um tablet na frente dos meus olhos:
   __ Você estragou ele junto com você seu demônio!
    __ Você acha que isso é certo?
              Era um vídeo que pela janela quase coberta por inteira pela cortina mostrava eu e meu namorado na cama. Não era nada de mais, mas o suficiente para saberem que John não era só meu amigo, o suficiente para falarem que eu tinha cedido aos desejos demoníacos e levar John, o amigo de todos, para o inferno comigo. Era o suficiente para me matarem.
            Eu só conseguia chorar, não conseguia mais ouvir direito, não queria, não queria morrer, eu sabia o que iam fazer comigo. Então eles começaram a me arrastar para fora da casa, mesmo com os meus protestos, não havia nada que eu pudesse fazer, me arrastaram pelo cabelo e me jogaram em frente a casa. A vila toda parecia estar alí, meu amor não era aceito por Deus segundo eles, e eu deveria ser condenado. Parecia uma caçada as bruxas, estavam com lanças, tochas e muitas pedras.
            Primeiro me xingaram, depositam todo o ódio em cima de mim, depois veio as pedras, eu até tentei me defender tapando o meu rosto e dobrando os joelhos no chão. Ouvia risadas enquanto pedras de diferentes tamanhos e pesos me acertavam e me machucavam. Depois que as pedras acabaram vieram e amarraram as minhas mãos, me deram socos e chutes, alguns cuspiram em mim, muitos, pisaram em mim enquanto diziam que eu era uma vergonha e não merecia perdão. Chamavam isso de processo de purificação.
             Não sei por quanto tempo fiquei ali, mas quando me levantaram de novo, senti que havia muito sangue na minha boca, minha visão já estava embaçada. Acho que o que me mantinha acordado era o puro medo de morrer. Me acorrentaram e com uma multidão me seguindo caminhamos a igreja que ficava afastada da vila.
           Quando chegamos descobri qual seria a minha punição por amar, a morte. "Mas por quê ? Nunca desconfiaram de mim ! Eu nunca fiz nada em público ! Nunca fui punido antes !". Todos esses pensamentos me vieram a mente e com o resto de energia que me sobrou tentei me libertar e quando o líder da vila apareceu tentei argumentar mas em vão.
           __ Você acha mesmo que nunca percebemos o mau que te cerca? Tentamos te mostrar o que  acontece quando alguém ceder ao pecado e a imoralidade de se deitar com um semelhante, mas você preferiu desafiar a nós e a Deus então agora, veremos se Deus perdoa alguém tão fraco como você, só Ele pode te salvar.
               Pavor me corroía, eu tentei rezar, mas só lembrava o que todos os meus amigos sofreram por amar, eu presenciei a dor deles. Será que era isso? Não tinha força para mais nada, apenas desisti. Ainda bem que John não estava na cidade, não me veria sendo queimado. Talvez não merecesse ser amado por ele.
               E então lá estava eu com braços e pernas amarrados a um pedaço de tronco em cima de uma pilha de lenhas ao lado da igreja onde comumente era realizado batismos e casamentos, a vila toda estava praticamente na minha frente, o padre ao meu lado pedindo o salvamento d'minha alma e as estrelas começavam a surgir em cima de mim.
            Eles diziam que quando o corpo que o demônio possuía pegava fogo, pra ele não morrer, ele libertava- se do corpo, e por isso ninguém poderia ver o corpo sendo liberto, para que o demônio volte para as profundezas do inferno e não possua mais ninguém. Por isso enquanto a primeira lenha virava cinzas eles iam embora e me davam as costas. Então era isso, iria morrer sozinho.
***
                A noite já havia caído quando John chegou na vila, foi direto para casa que dividia com o "amigo", estava cansado, havia levado uma carga para um velho conhecido que não tinha condições de pagar, para outra cidade. Não via a hora de relaxar, mas logo que entrou na casa, a palavra relaxar, sumiu de sua mente e foi substituída pelos pensamentos: "Cadê o Alan?" " O que aconteceu?"
               A verdade é que John já sabia o que havia acontecido, que o haviam levado, mas ele ainda tinha esperanças de que era um assalto e que seu amor estava escondido com medo.
             Que ingênuo..como puderam pensar que ao menos dentro de casa poderiam viver seu amor em paz, talvez Ele queira assim, mas não podia aceitar, era errado amar? Mesmo nunca negando ajuda a quem fosse e sempre tentando fazer o bem, era errado, por quê? Logo após a sua busca sem resultados e uma breve crise de consciência, não contou tempo e foi direto para lugar aonde o pior dos castigos acontecia.
John :
                 Desespero e raiva me consumia enquanto dirigia, não dá pra acreditar que depois de tudo que fizemos eles ainda são capazes de algo tão bárbaro. Quando cheguei ao local, me deparei com a cena que me quebrou por inteiro.
                 Eu vi Alan sendo queimado o único som presente era o do próprio fogo queimando. Corri em sua direção ele estava todo machucado, não conseguia me aproximar por causa do fogo corri para dentro da igreja e peguei o extintor que lá havia, voltei para onde estava Alan e comecei a apagar o fogo torcendo para que ainda estivesse vivo apesar de seu estado.
               Seus pés já eram, algumas partes eram carne viva e os ossos era aparente na maior parte, sua cabeça também havia sido queimada, havia queimaduras graves por todo seu corpo na verdade, quando fui desamarrar suas mãos... não acreditava que as mesmas mãos macias estavam agora completamente machucadas e queimada.
             Tirei ele dali e o carreguei são no colo, não tinha tempo para saber alí se estava se vivo, porque se ele tivesse 1% de chance de estar com vida estaria desperdiçando tempo ali. Coloquei-o no banco de trás da minha caminhonete amarela, assim poderia deitá-lo.
             Nunca dirigi tão rápido em toda a minha vida, mas também, não poderia levá-lo para o pronto socorro da vila, matariam ele e me condenariam junto, o único jeito era a cidade mais liberal da região que ficava a 1 hora de viagem que fiz em 25 minutos, ainda bem que mal havia carros na estrada aquela hora ou morreríamos, ao menos morreríamos juntos.
              Entrei desesperado no hospital central e rapidamente vieram buscá-lo e levá-lo para dentro. Meu coração apertou quando o perdi de vista, ele havia perdido muito sangue devido aos ferimentos. Só pude esperar e rezar por sua vida, espera rezar? Rezar pra quem? Pra um Deus que faz as pessoas matarem aqueles que amam sem fazer o mal a ninguém? Não vou, não merece. Isso se Ele existisse, Alan sempre dizia que Deus era amor e que se fosse verdadeiro Ele nos protegeria... que bela proteção... Alan...
            Não sei quando fiquei ali na sala de espera mas quando olhei pela janela já era de manhã. Veio uma enfermeira me pedir para fazer a ficha dele, logo depois ela me levou para falar com o cirurgião-chefe.
           __ Ele perdeu muito sangue..- Um nó se formou na minha garganta. - Há queimaduras graves por todo o corpo, além de cortes profundos...- Meus olhos já ardiam - Seus pés foram os mais prejudicados e não teve como, tivemos que amputar, mas ele poderá usar próteses e por pouco salvamos suas mãos. Você chegou rápido, foi o que salvou a vida dele.
          __ Ele está vivo! Que alívio!
            Saí da sala da sala do doutor para ir ao UTI, ele ficaria ali por umas semanas. Estava aliviado por ele estar, mas ainda corria risco e quem o havia salvo, era eu não Ele, Deus o deixou ali para morrer.
          No caminho eu peguei o crucifixo que estava enrolado na minha mão dei uma última olhada, não acreditava mais, joguei-o longe pela janela, havia um casal ali também, deveriam ser bem religiosos, "idiotas" pensei, eles me questionaram.
         __ Você está louco? Por que fez isso?
         Cheguei bem perto: __ Você não sabe pelo o que as pessoas passam e mesmo assim rezam pedindo por proteção e Ele não liga. Então CALE A BOCA!! - estava uma mistura de raiva com mágoa e tristeza. Então eu só virei e continuei meu caminho meu caminho não queria arrumar confusão no hospital.
         Eu só podia ficar ali na UTI por alguns minutos, a cena dele ali, deitado naquela maca, respirando por aparelho, respirando por aparelhos e mais um monte de máquinas ligadas á ele quebraram o resto do meu coração.
         Ele é tão carinhoso e bondoso com as pessoas, sempre cercado de amigos, ele era um atleta, um corredor profissional, ia disputar uma importante corrida em breve... e agora? Ele nunca fez mal não merecia isso.
             Não falei com ele aquele dia, óbvio que não estaria acordado. Quando saí dali, voltei pra maldita vila e botei a casa para vender e consegui minha parte em um negócio que eu tinha,lógico que me olharam estranho mas não liguei, pra eles eu era só uma vítima, ninguém falava sobre Alan para eles, ele estava só o pó agora.
        Voltei pra cidade e fiquei por lá mesmo. Nunca mais voltaríamos para lá. E assim se passaram 3 meses.
***
             Quando John entrou aonde eu estava, me senti tão feliz por saber que meu Deus havia me salvado e que John era o meu anjo da guarda. Eu sabia sobre os meus pés o doutor me contou sobre, mas antes os pés do que a vida.
           __ John - minha voz estava fraca.
             __ Bom dia, descanse, não faça nenhum esforço. E não se preocupe nunca mais voltaremos para aquele inferno!
             __ Meu anjo... Nós vencemos... Deus... está do nosso lado- Alan quase deu uma risada, mas estava muito machucado, enquanto isso John ficava confuso.
             __ Como do nosso lado? Como do nosso lado? Como ainda pode falar
           Dele assim? Se não fosse eu... você poderia morrer - John disse essa último parte quase sussurrando, não queria nem pensar nessa possibilidade.
         __ Eles disseram.. que só Deus poderia me salvar... e ele me enviou você.. eu pareço... um churrasco... mas... eu estou vivo não?
         E John só sabia chorar.

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